Philip Yancey
Minha esposa e eu passamos um tempo no interior da Tasmânia, uma ilha escarpada na costa ocidental da Austrália. Um criador de ovelhas abriu uma pousada no meio do pasto, sede da fazenda. Sabendo que dificilmente comeríamos um cordeiro fresco, decidimos nos hospedar com ele.
Na hora do jantar, perguntei inocentemente sobre a estranha coloração – laranja, vermelho, azul e verde – que tínhamos visto nas ancas de uma ovelha. “É assim que acompanhamos o processo de reprodução delas” – explicou ele, sorrindo. “Eu penduro giz colorido num lugar estratégico do carneiro. Ele deixa a sua marca quando faz seu trabalho. Assim, eu sei que todas as ovelhas com traseiras alaranjadas foram atendidas. Quando a tarefa prossegue – as ovelhas são pontuais e 100% férteis – posso reunir as ovelhas alaranjadas e dar-lhes atenção especial.
Nos minutos seguintes, aprendi muito sobre os hábitos reprodutivos das ovelhas. Cada uma tem um período de apenas seis horas para receber o carneiro. Isto não é um problema, pois o macho tem plena certeza de que será bem atendido num determinado momento. O fazendeiro separa dez carneiros para cobrir quatro mil ovelhas, o que significa que trabalharão até a exaustão, perdendo muito do seu peso no processo feito de muito trabalho e nenhum romance.
Quando vi um carneiro esquelético e sujo, dei graças a Deus por ajustar os termos da sexualidade na espécie humana. Aliás, os zoólogos dizem que poucas espécies – golfinhos, alguns primatas e os grandes felinos – se envolvem no sexo de uma forma prazerosa.
Passei a manhã seguinte andando pelos campos, tomando cuidado onde pisava. Tentei imaginar a vida do ponto de vista de uma ovelha. Elas passam 90% do seu tempo andando, de cabeça baixa, procurando por um capim. De vez em quando, um cão belisca suas patas, tangendo-as para as direções que quer levá-las. Quando o tempo muda, elas se amontoam na chuva e no vento. Um vez por ano, um primo bravo aparece e arremete contra elas, deixando-as marcadas com uma estranha cor. A barriga cresce, os cordeiros surgem e a atenção se volta para o desmame destas criaturas pequenas e travessas que brincam pelo pasto. Irmãos e irmãs podem desaparecer, algumas vezes, atacados por um demônio da Tasmânia (estes sórdidos marsupiais que realmente existem), outras vezes são conduzidas pelo ser de duas pernas. As mesmas criaturas periodicamente vão para um armazém onde são tosquiadas, ficando geladas e encabuladas por algum tempo.
Enquanto eu andava, ocorreu-me que as ovelhas, no nível em que pensam, devem achar que decide os seus próprios destinos. Elas pastam, ruminam, fazem escolhas e vivem suas vidas com algumas interrupções por cães, carneiros e pessoas. Elas não conhecem a cena completa que está sendo orquestrada de acordo com um plano racional pelos humanos que vivem na fazenda.
Sei que a analogia com as ovelhas não é exata. Nem mesmo a ovelha mais estúpida negaria a existência de um mundo além do seu – marsupiais, humanos e cachorros. Nós, seres humanos, especialmente os que vivemos nestes tempos reducionistas, simplesmente decidimos que nada existe além da fronteira com os nossos sentidos. Alguns estão convencidos de que o que não podemos ver não existe.
Estamos diante de Deus como as ovelhas estão diante de nós? Em certo sentido, não: Deus garante o conhecimento aos que estão “embaixo” e permite um relacionamento real com Ele. Em outro sentido, sim: “Sabei que o Senhor é Deus! Foi Ele quem nos fez, e somos dEle; somos o Seu povo e ovelhas do Seu pasto”, escreveu o salmista (Salmo 100.3). Notemos os pronomes possessivos: Seu povo, Seu pasto.
Vivemos num mundo que, em sua essência, em sua origem e em seu destino pertence a Deus. E nós mesmos somos propriedade de Deus. Podemos insistir em nossa autonomia, mas no fim sabemos que essa autonomia não é mais real do que a de uma ovelha da Tasmânia.
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