sexta-feira, 30 de dezembro de 2011

360 e poucos dias

Tirou tudo das gavetas. Jogou no chão. Abriu o saco de lixo. Começou a faxina. Era o ritual de exclusão que se iniciava. Não era o primeiro de sua vida e, com certeza, não seria o último. Ele tinha essa mania de, por uns 360 e poucos dias, ir acumulando tudo o que recebia. Mas, anualmente, dois ou três dias eram destinados a encarar toda a bagagem, ver o que podia ser jogado fora sem rasgar, analisar aquelas coisas que precisavam de ficar consigo mais um tempo e estraçalhar qualquer vestígio de si que, porventura, pudessem aqueles papéis e objetos conter.

Sacolas cheias de papel picado. Mais descansado depois de concluída a tarefa, ele olhava para aquele tanto de coisa que, de certo modo, fora seu ano. Amarrou a boca dos sacos de lixo. Fez questão de dar um nó fácil de desatar. Acomodou-os no canto do cômodo. Não. Ele não queria entregá-los assim tão de repente. Passou mais uma noite com eles. Talvez, no dia seguinte, encontraria algo que ainda pudesse dispensar.

Veio o caminhão do lixo. Da janela, ele olhava para seus resíduos. O lixeiro se aproximou indiferente e num só lance jogou todo aquele ano dentro da caçamba do veículo. Lá dentro, a vida dele se juntou com a de outros tantos. Seus 360 e poucos dias se somaram a desconhecidos, rumando ao desprezo do lixão. Ergueu os cotovelos da janela. Voltou-se para dentro de casa. Constatou que tudo parecia mais vazio. Pensou em como seria a virada do ano. Ligou para alguns amigos. Começou a contagem regressiva para os próximos dias. 

Um comentário:

Anônimo disse...

Gostei, Edson. Muito bom o texto. Quantas vezes me vi assim, com dificuldade para me livrar de coisas - reais, imaginárias ou simbólicas! Abração. Neiva